Se os exemplos que chegam de cima só validam maus comportamentos, estes propagam-se livremente pelo resto da sociedade, infestando o país de práticas nauseabundas. E se as raízes estão podres, ninguém se endireita.
A Jerónimo Martins está na berlinda, mas recordemos outro caso: a PT vendeu a Vivo por €7,5 mil milhões. A transacção foi feita pela Holanda, privando o Estado de uns €500 milhões – mais que a poupança com os cortes nas deduções fiscais, por exemplo. Não satisfeita, a PT antecipou os dividendos dessa venda para que os accionistas não pagassem mais imposto. A PT lucrou 5,7 mil milhões nesse ano: os accionistas aplaudiram de pé e o país caiu de joelhos.
Então e o Estado? É o campeão dos maus exemplos. Em nome do défice, o que tem feito? Corta salários e subsídios à margem da Constituição, corta apoios sociais, ignora desempregados, vende o país a ditaduras e ameaça contribuintes por dívidas inexistentes. É o vale tudo para sair do buraco. No meio disto, como fica o Zé Contribuinte? A pagar tudo. IRS? Ficou sem deduções. Reforma? Não vai ter. IVA? O Zé que pague 23%. Gasolina, transportes e luz? Estão tão caros que mais vale hibernar. E depois de pagar, o Zé ainda tem de engolir que uns 30% dos impostos que paga são para juros, ou para amigos, ou para PPP…
E estes maus exemplos resultam em quê? Simples: quando os restaurantes não derem factura, o Zé também não devia pedir. Quando o mecânico oferecer dois preços distintos, o Zé devia optar pelo mais baixo. De cada vez que for para fora do país, o Zé devia fazer todas as compras que conseguir. Simples. É que fugir ao fisco pode ser ilegal mas, moralmente falando, um contribuinte que ganha mil euros, e tem despesas fixas de 800 euros, precisa mais de fugir ao fisco para poupar 50 euros que uma empresa que lucra milhões. Especialmente quando falamos do país mais desigual da Europa e onde a austeridade aplicada foi a mais regressiva em termos de distribuição de rendimentos. A lição é simples: se esfregam na cara dos contribuintes o jogo do vale tudo, não se admirem que estes também comecem a jogar.
in: Jornal i, 5 Janeiro 2011