O “bom aluno” ou o soldado raso?

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental, no comentário ao OE12, lembrou que há dois destinos possíveis quando se aposta em austeridade: i) Grécia ou ii) Irlanda. Vamos a i) Os gregos estão num ciclo onde a contracção económica resulta em menos receita e mais despesa, arrasando previsões, o que obriga a mais austeridade, que agrava a crise e a queda de receitas, e por aí fora… Já em ii) outro destino: já não se fala da Irlanda, os juros estão em queda e o PIB já cresce. Porquê destinos diferentes se ambos estão com o FMI? Porque a Irlanda precisou do FMI por causa da banca e não por desequilíbrios crónicos. Na Grécia, o oposto: défices, laxismo nas contas, tudo mal. Conclusão? A austeridade é uma saída da crise quando se é a Irlanda e não a Grécia.

Agora questiono: o caso português é mais parecido com o grego ou com o irlandês? O grego, sem dúvida. Então porquê condenar Portugal ao ciclo vicioso? Não há argumentos que justifiquem tanta austeridade, pelo contrário. Basta olhar para a Grécia: tem as contas marteladas [como nós] e cada nova ronda de austeridade aprofunda a recessão [como nós]. Qual então o sentido de seguir a mesma estrada? Em Portugal o caminho para sair da crise, tal como na Grécia, passa pelo FMI, certo, mas sem querer corrigir à força e em dois anos toda a porcaria que se acumulou em 30. É impossível, doloroso e resulta em quê? Na esquizofrenia que vemos: nada está a melhorar, não estamos a corrigir defeitos estruturais – e até cortam subsídios à função pública só para nos venderem que estão a atacar pela despesa, já que só podem cortar subsídios a todos através de um imposto, logo seria pela receita. Enfim…

O governo e vários opinadores sublinham que Portugal precisa de ser o “bom aluno” para se afastar da Grécia. Mas nós não somos o bom aluno, somos, isso sim, o soldado acéfalo que não questiona ordens, por mais absurdas que sejam – cortar 5 pontos ao défice num ano, por exemplo. Nunca foi feito, não faz sentido, é impraticável. Mas toca a bater continência e a avançar! Heróis do mar? Só se o mar estiver no fundo do poço.

in: Jornal i, 3 Novembro 2011

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