Em Portugal preenchem-se anualmente 4,8 milhões de declarações de rendimentos. Nestas, há 3,3 milhões de famílias, 70% do total, que declaram rendimentos mensais inferiores a 1200 euros brutos, dos quais 2,7 milhões, ou 57% do total, declaram menos de 800 euros brutos por mês. Falamos de rendimentos globais de famílias, na maioria com duas ou três pessoas. E os números apresentados são de 2009, ano de aumentos na FP e antes de cortes salariais e de muita austeridade.
Apesar destes números, o plano de emergência social só vem apoiar (e mal) três milhões de portugueses. Menos de 30% do total. Sobra assim uma enorme área cinzenta de pobreza não oficial, onde sobrevivem os que também vão ficar de fora das tarifas sociais na electricidade, gás ou transportes. Esta é uma franja da população para a qual o Estado está a mostrar-se totalmente cego, sentenciando-a ao esquecimento e à pobreza quando se antevê um aumento do custo de vida generalizado e cortes salariais.
Ao mesmo tempo, há 12 mil milhões de euros postos de lado para os bancos, que nem os querem, valor ao qual se juntam mais 66 mil milhões do empréstimo internacional para saldar as dívidas do Estado. A ironia? É que quem vai pagar este dinheiro da troika são em grande parte os 3,3 milhões de famílias que nem 1200 euros brutos ganham e que nem um euro vão ver do dinheiro da troika. E o estranho? É que em gabinetes com técnicos e especialistas que ganham três mil e quatro mil euros por mês tudo isto faz sentido. Não faz, e quanto mais demorarem a percebê-lo, pior para todos.
in: Jornal i, 8 Agosto 2011