E pronto. O buraco está a revelar-se. A verdade é que Sócrates teve azar. A crise financeira foi o fósforo que incendiou a pseudo-latente crise portuguesa, e a batata quente que durante anos a fio saltou de governo em governo explodiu. Mas o azar de Sócrates foi muito potenciado pela inabilidade do governo em atacar a crise.
Crise, 1.o round. Em 2009 Sócrates opta por um caminho – défice é secundário e o Estado tem de ressuscitar o país. Milhares de milhões foram despejados e o défice disparou de 2,9% para 9,3%. A teoria é boa, a prática foi suicida. Segundo o Tribunal de Contas, o Estado acelerou a fundo, injectou 2,3 mil milhões na economia mas, deste valor, 1% foi para emprego, 38% para infra-estruturas e 61% para a banca. Resultado: défice disparou sem efeitos positivos, situação agravada pelos aumentos salariais eleitoralistas.
Crise, 2.o round. Após acelerar a fundo na direcção errada, Sócrates fez pior: travou em vez de reorientar os estímulos e, com o país a patinar, veio o pião. Não só travou a fundo – reduzir o défice para 4,6% num ano?! -, como travou mal: cortes cegos pensados para o curto-prazo. Agora, temos dois anos de recessão pela frente e os portugueses esmagados para nada. O país está pior do que quando explodiu a crise – sem receitas e despesas extraordinárias, o défice de 2010 ficou acima do objectivo.
Não satisfeito com os erros e prepara-se para fazer pior: o governo desresponsabilizou-se e está a fingir que não pode pedir ajuda. Contudo, marcar emissões de dívida para o dia seguinte a conhecer-se o buraco, isso já pode fazer sem pestanejar; Este é o “vale tudo” de que Sócrates falava, o vale tudo para não ficar com o ónus de ser “quem pediu ajuda”. O preço vai ser pago por nós: dívida, mais juros. No meio disto tudo, Cavaco, “o que paira acima dos mortais”, nada fez.
P.S. – Ironia: O ministro que agora se queixa de “regras que mudam a meio” criou o IRS retroactivo.
P.S.2 – “A pergunta certa é por que estamos a demorar tanto a pedir ajuda?”, disse Ülrich. Eu pergunto isso há meses, porque já todos antecipávamos estas “novidades” no défice
in Jornal i, 1 Abril 2011