A crise aperta, o dinheiro não estica, os créditos e as compras vão ficando para trás… Os consumidores e as empresas portuguesas estão a deixar de pagar dívidas e a deixar de consumir já que maiores prioridades se apresentam no seu caminho, como sobreviver. Os últimos números do Banco de Portugal sobre o crédito malparado são assustadores, e ainda mais ficam se tivermos em conta que ainda não reflectem os últimos contornos da crise financeira mundial da qual, segundo vários economistas, o pior ainda está para vir.

in: Focus, Novembro 2008
Os pagamentos de todos os tipos de créditos estão a falhar cada vez mais, as visitas aos restaurantes estão em queda a pique, há cada vez mais contribuintes nas listas de devedores ao Estado, o consumo de combustíveis é cada vez menor, as casas não se vendem nem com descontos e as idas aos supermercados são cada vez menos frequentes e menos generosas.
A crise ainda pode estar à porta da economia portuguesa, mas já há 1,8 milhões de portugueses a viver abaixo do limiar da pobreza (menos de 360 euros/mês), segundo números avançados pela Comissão Europeia. Além deste número, há também 23 mil famílias sem dinheiro para pagar os créditos à habitação e só este ano já se inscreveram 1.323 famílias no Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da DECO. Os efeitos mais evidentes da crise estão a vir à tona e os portugueses estão definitivamente a deixar a carteira fechada. Por impossibilidade ou medo, os dados não mentem e obrigam a que “Não pagar” ou “Não Consumir” sejam as ordens sob as quais muitos portugueses vão viver nos próximos tempos.
“Não pago!“
Os dados mais recentes do Banco de Portugal sobre o incumprimento de créditos confirmam isso mesmo. Nos créditos ao consumo as falhas nos pagamentos subiram 69% de Agosto de 2007 para Agosto deste ano. Já nos empréstimos para compra de casa o chamado malparado subiu 23,6% e nos créditos para outros fins a subida foi de “apenas” 2%. No total, e no final de Agosto, existiam 2,8 mil milhões de euros em créditos que os portugueses não pagaram e isto num ano em que as famílias ficaram ainda mais endividadas, com o total dos empréstimos concedidos a subir 8,8%, para a módica quantia de 133,5 mil milhões de euros. E nestes números não entram todos os créditos que são concedidos, como os empréstimos dados por telefone por algumas empresas, ou os “leasings” na compra de viaturas ou outros equipamentos, por exemplo. As taxas de juro, o abrandamento económico, os meses que parecem cada vez mais longos… Tudo está a contribuir.
Ainda segundo o Banco de Portugal, apesar do crédito à habitação ser a responsabilidade que os portugueses mais respeitam, estão então contabilizadas 23 mil famílias sem hipóteses de pagar este empréstimo e as 1.323 que se inscreveram no Gabinete de Apoio ao Sobreendividado da DECO entre Janeiro e Setembro de 2008, representam mais do dobro das inscrições registadas nos primeiros nove meses de 2006. O desemprego (53%), as razões ligadas à saúde (18%), o divórcio (15%) ou “simplesmente” a subida imparável dos juros dos últimos dois anos são as razões mais evocadas por quem se vê na situação de não conseguir pagar os seus empréstimos.
Mas não são só as famílias portuguesas que estão a deixar de pagar as suas responsabilidades, também as empresas, especialmente as ligadas à construção e ao imobiliário, estão a fazê-lo. Nas primeiras o crédito malparado cresceu 50% nos últimos doze meses e nas segundas mais do que duplicou. De Agosto de 2007, para Agosto deste ano, as cobranças duvidosas no sector das empresas imobiliárias cresceu 108% para os 563 milhões de euros, sendo que nas construtoras a evolução levou a que o malparado se situasse agora na casa dos 800 milhões de euros. Note-se que estas duas actividades económicas são responsáveis por mais de metade dos créditos concedidos a empresas em Portugal, que no total ascendem a 109 mil milhões de euros.
E este não é um problema exclusivo de quem não paga ou de quem não recebe os empréstimos, já que parte da responsabilidade do incumprimento de créditos por parte das empresas deve ser atribuída ao Estado, que ao tolerar que algumas autarquias só paguem aos fornecedores a mais de 300 dias, ou mesmo hospitais a pagar a 244 dias, ou mesmo casos de pagamentos a mais de 1.000 dias, acaba por ser cúmplice no “congelamento” do normal ciclo económico e a “empurrar” o castelo de cartas. Porém, se alguém não pagar os seus impostos durante 100 dias, vê logo como a atitude governativa muda.
O receio que o cumprimento de impostos comece a sentir também alguma diminuição está já aliás na mente do Estado. Em Outubro a Direcção-Geral dos Impostos (DGCI) anunciou o envio de 30 mil e-mails a contribuintes com dívidas ao fisco para avisar que se não saldarem o que devem, o Estado poderá ficar-lhes com o carro e vendê-lo. Só durante 2008, e segundo dados da própria DGCI, a lista dos contribuintes devedores ganhou oito mil novos nomes e só em Agosto foram enviados quase 200 mil e-mails para 45,6 mil empresas com ameaças de processos criminais caso a regularidade fiscal não fosse reposta. Apesar deste maior nível de insistência com o cumprimento fiscal por parte do Estado, há um lado da receita fiscal em que nem a cobrança coerciva ou eventuais ameaças de prisão poderão salvar as contas do Governo. Falamos do IVA e do Imposto sobre produtos petrolíferos.
“Não Compro!”
Quanto menos se comprar, menos o Estado ganha em impostos e ainda que as previsões do Orçamento do Estado para 2009 apontem para uma evolução positiva da actividade económica, com o Governo a esperar que as receitas do IVA subam 3,4% para os 14,3 mil milhões de euros, tal dificilmente será atingível, já que os portugueses estão cada vez menos propensos a consumir. Basta ver o que sucedeu com as previsões para este ano. No OE para 2008 o Governo previa ganhar mais mil milhões de euros com o IVA, porém as últimas previsões mostram que o ganho vai ficar pelo menos 300 milhões de euros abaixo disso. E no próximo ano a actividade económica pode abrandar ainda mais do que durante 2008.
Além do IVA, o Executivo de Sócrates prevê arrecadar em 2009 mais 3,4% ao nível do Impostos sobre os produtos petrolíferos do que em 2008, mas o cenário actual aponta para uma evolução oposta.
Em Julho passado, e pelo terceiro mês consecutivo, os portugueses continuaram a dizer “Não” aos abastecimentos de combustíveis, com o consumo total destes produtos a cair face ao mesmo mês de 2007. O impacto tem sido mais forte ao nível da gasolina, com os condutores a comprarem menos 6,4% deste combustível, segundo dados da Direcção Geral da Energia e Geologia divulgados em meados de Outubro. Em destaque está a gasolina sem chumbo 98, cuja procura caiu 22%. A sua “irmã” de 95 octanas apenas foi procurada por menos 3,4% de consumidores. No lado oposto encontra-se o gasóleo e o gás-auto, produtos cuja procura cresceu 0,9% e 11,7% respectivamente, segundo ainda os dados da direcção geral.
Este é um dado que, porém, terá que ser acompanhado gradualmente, já que as estatisticas se referem a Julho e desde então que o preço do petróleo tem vindo a cair. Estas quedas não têm tido, contudo, quase reflexo ao nível do preço de venda do litro do combustível em Portugal que, apesar de já ter sido revisto em baixa, ainda está longe de reflectir a queda de mais de 55% que o barril de “ouro negro” sofreu desde Julho.
Este “estranho” desfasamento entre a rapidez da subida dos preços que foi ocorrendo em diversos produtos e a lentidão com que estes produtos estão agora a descer de preço, também explica um pouco da retracção do consumo que se vai começando a sentir cada vez mais. E isto não é só aplicável aos combustíveis.
Veja-se o pão. Nos primeiros meses deste ano, uma crise ligada à produção de cereais fez com que a tonelada destes disparasse para mais de 230 euros, quando normalmente a cotação dos cereais ronda os 120 euros. Este factor, conjugado com o aumento do preço do gasóleo, fez com que o nosso pequeno-almoço se ressentisse da crise com o preço do pão a subir 50%, para 15 cêntimos a carcaça de 40 gramas. Na altura a razão apontada pela Indústria da Panificação foi precisamente o “aumento de 120 a 140% nas matérias-primas”. Agora, e desde o Verão até hoje, estas matérias-primas cairam também 120% a 140% para os seus preços pré-crise, mas, pasme-se, o preço do pão continua inalterado. Assim, e naturalmente, o consumo deste alimento está numa queda que ronda os 30%, segundo a Associação do Comércio e da Indústria de Panificação, Pastelaria e Similares.
E no que toca aos alimentos o “Não Compro” já está também completamente instalado na restauração. A procura tem caído fortemente, não só ao nível do total de clientes, mas também ao nível da maior preocupação em relação ao preço nas pessoas que ainda frequentam restaurantes. Números oficiais sobre o impacto da crise neste sector ainda não existem, porém as queixas e os relatos dos donos destes estabelecimentos sucedem-se. Uns falam em quebra de 50%, outros referem a falta de reservas para o período natalício (os tradicionais almoços ou jantares de Natal), como exemplo dos reflexos da crise.
Também sem valores oficiais, e ainda que nenhum dos responsáveis o reconheça, é natural que o sector da distribuição também se esteja a ressentir da retracção no consumo. As principais empresas negam-no, mas é fácil perceber porquê. Há dias um comentário de um analista de bolsas, referindo que o abrandamento económico iria afectar a Jerónimo Martins, levou a uma quebra superior a 20% no valor da acção desta empresa, logo é desaconselhável para os donos dos grandes supermercados demonstrar algum tipo de fragilidade nas vendas. Aliás, olhando para os Estados Unidos é fácil perceber o impacto que a quebra nas vendas a retalho pode ter no mercado das bolsas. Nos últimos dias foi conhecido que em Setembro as vendas da distribuição caíram como não acontecia há três anos, mais de 1%, com os consumidores preocupados com o aumento do desemprego e o agravamento da crise, e esta notícia provocou a segunda maior queda de sempre na Bolsa de Nova Iorque.
Toda esta retracção no consumo não se deve apenas às famílias e às empresas que estão em dificuldades financeiras, mas sim a todos, já que quem actualmente tem dinheiro para gastar, está a optar por não fazê-lo. Os números do Banco de Portugal mostram que as poupanças das famílias portuguesas estão a crescer como nunca, já que a incerteza é grande e não aconselha a grandes aventuras. No último ano os portugueses depositaram 109 mil milhões de euros nos bancos, mais 13,6 mil milhões de euros do que o valor depositado no ano anterior. A crise financeira, os mercados bolsistas a cair a pique, e a incerteza em relação aos depósitos mais arriscados estão a fazer com que os portugueses procurem aplicações mais defensivas ou optem por não gastar muito.
“Só vendo!“
E se não paga nem compra, resta vender. Aqui os números falam por si. Durante este ano o número de portugueses a recorrer a casas de penhores cresceu 50% em relação a 2007, especialmente em Lisboa e do Porto. Ouro, prata, roupa, relógios, obras de arte, de tudo um pouco tem aparecido por este tipo de lojas. O aumento do custo de vida, os excessos cometidos e os períodos mais complicados financeiramente, como o regresso às aulas ou o período do Natal/Ano Novo, são as principais razões para o recurso a este tipo de soluções.
Esta é uma actividade que funciona como medidor do estado económico de um país, até porque também é procurada por empresas, e quanto maior for a procura de penhores, mais profundas são as dificuldades da sociedade. O pagamento de salários em atraso, por exemplo, motivam muitos gestores e donos de empresas a recorrer ao “prego” e segundo vários responsáveis deste género de lojas, todas as camadas sociais estão a procurá-los este ano.
Apesar de poderem representar um pequeno “balão de oxigénio” para famílias e empresas desesperadas, a DECO adverte que estas lojas só devem ser visitadas em último recurso. É uma operação que traz custos e que paga bastante abaixo do real valor dos bens penhorados, e apesar do sistema das casas de penhores permitirem a recuperação do artigo em questão num prazo de três meses, são cada vez menos as pessoas que o fazem, segundo um responsável por uma destas lojas na Baixa de Lisboa ouvido pela agência Lusa no Verão deste ano.
E se as vendas ao “prego” estão a crescer, também os artigos usados começam a surgir com mais frequência nas lojas que fazem da “segunda mão” negócio. A Cash’Land, uma das que aposta neste sector, aponta para um aumento de 50% nos bens usados que são vendidos por particulares à loja. Telemóveis, CD, DVD, televisores, instrumentos musicais, computadores… Na crise, como no amor, já vale tudo.
Como o “subprime” apareceu e como pode chegar até si
Quando a oferta de habitações superou a procura, o valor das casas no mercado norte-americano começou a cair, tendo este movimento feito com que, até ao momento, 12 milhões de casas compradas através de créditos de alto risco (o famoso “subprime”, que são empréstimos concedidos a particulares com poucos rendimentos ou activos) passassem a valer menos do que os valores das hipotecas. Confrontados com aumentos nos custos dos empréstimos e o aumento do desemprego, os americanos “subprime” começaram a falhar os pagamentos destes créditos e a espiral arrancou. Como várias instituições financeiras tinham milhares de milhões de dólares investidos em “pacotes” destas hipotecas (os bancos acumulam hipotecas e vendem-nas a outros para obterem mais dinheiro e assim concederem mais empréstimos, que também são vendidos), os prejuízos rapidamente se alastraram pelo sistema financeiro. Basta ver que o mercado do “subprime” nos EUA está avaliado em mais de um bilião de euros (imagine o número 1 seguido de doze zeros). Com o número de empréstimos por pagar em crescendo e a desvalorização do mercado da habitação, estes “pacotes” de hipotecas perderam quase todo o seu valor e, graças à elevada exposição de bancos como o Lehman Brothers a estes produtos financeiros (30 para 1 em termos de montante investido versus activos detidos) não demorou muito até que os prejuízos ganhassem proporções inimagináveis. Nessa altura, e como é difícil adivinhar “quem tem o quê” em termos de investimentos ou participações bolsistas, os bancos começaram a desconfiar uns dos outros, fechando a “torneira” aos empréstimos interbancários. Com isto algumas instituições deixaram de ter garantias de dinheiro para enfrentar o dia-a-dia e optaram por vender imóveis, empresas ou outros activos de que fossem donos, o que levou a que o valor destes activos caísse ainda mais. Quem nem assim se “safou” precisou das nacionalizações para sobreviver. Com tudo isto, o valor dos bancos em bolsa caiu a pique, levando consigo outros bancos e empresas que investiram em acções dos primeiros, Tais quedas assustaram os investidores, que venderam as acções e os mercados cairam ainda mais. Com os empréstimos mais difíceis de obter, as empresas a perder valor e o investimento a recuar, seguem-se despedimentos, falências e “cortes de custos” que poderão levar a crise até à casa de qualquer um.
Arrende a casa a si próprio
Uma das medidas incluídas no Orçamento do Estado para 2009 foi a criação dos fundos de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (FIIAH). Os proprietários de casas, estejam ou não com dificuldades em suportar os custos dos empréstimos, poderão optar por vender os imóveis a estes fundos, continuando a viver nas mesmas enquanto arrendatários e garantindo uma opção de recompra até 2020. O valor de compra do imóvel é afixado a preços de mercado e, defende o Governo, o custo da renda poderá ser cerca de 20% inferior ao valor da prestação mensal – passa de 750 euros para 600, por exemplo – associada ao crédito à habitação, sendo que os encargos com as rendas são dedutíveis em sede de IRS. Estes imóveis, caso sejam vendidos e o (ex)proprietário não deseje ficar por lá, poderão também ser arrendados a terceiros. Estes fundos poderão ser criados por qualquer entidade privada ou pública, desde que nos cinco anos seguintes à entrada em vigor do Orçamento (1 de Janeiro de 2009) e vão beneficiar de um regime fiscal especial até 2020. Os rendimentos obtidos por estes fundos estão isentos de IRC, IRS e os imóveis à guarda dos FIIAH ficam isentos de IMI ou IMT, conforme os casos. Para o Executivo de Sócrates esta é uma forma de não só ajudar as famílias em dificuldades em cumprir com os créditos à habitação como também de “espevitar” o mercado do arrendamento em Portugal.
Crédito à habitação sobe, antes de descer
As notícias pareciam indicar uma coisa, mas a realidade mostrou outra. Se por um lado sucediam-se as parangonas com as quedas das taxas, por outro quem teve agora o empréstimo à habitação revisto viu os encargos subirem 60, 70 ou mais euros. Mas não entre em pânico (se ainda não entrou), a curva descendente dos custos do empréstimo deve começar em Dezembro e se por acaso o seu crédito for revisto então, poderá ter uma boa prenda de Natal. A 9 de Outubro último a Euribor a seis meses tocou no máximo, 5,448%, mas com as sucessivas intervenções dos Estados europeus no mercado bancário, desde então que a taxa de referência aos créditos à habitação têm caído. Tanto a Euribor a três como a seis meses já caiu bastante abaixo do patamar dos 5% mas se o seu empréstimo for revisto agora em Novembro, talvez tenha más notícias. Confuso? A razão é simples. Quando os créditos à habitação indexados à Euribor a seis meses, os mais comuns em Portugal, são revistos o valor tido em referência não é percentagem do dia, mas sim a média da taxa no mês anterior ao da revisão. Quer isto dizer que se a revisão do seu crédito está programada para Novembro, a taxa que vai começar a pagar é a média de Outubro onde, apesar das recentes quedas da Euribor, a média aritmética do mês está longe de ser agradável ou recomendável. Já em Dezembro, a média a ser utilizada para a revisão da taxa será a de Novembro que, mantendo-se a actual trajectória da Euribor, estará bem abaixo dos 5%. Nota final para quem ainda não tem um crédito à habitação, mas está prestes a celebrá-lo: Espere por Dezembro.
Vendas caem, mediadores vão atrás
Entre Abril e Junho deste ano as vendas de casas em Portugal caíram 17,8% face ao mesmo período de 2007, um valor que deverá ter crescido desde então tendo em conta o evoluir da crise, do apertar dos créditos e a estagnação económica cada vez mais evidente. Com menos casas vendidas há uma actividade que sente logo na pele o “trambolhão”, a mediação imobiliária. Números oficiais não há, pois o Instituto da Construção e do Imobiliário só rege as licenças, que normalmente duram três anos, não tendo por isso uma base de dados actualizada “ao minuto”, porém, e segundo o “Diário de Notícias” avançou em Outubro, serão cerca de 600 os mediadores imobiliários que fecharam portas desde o final de 2007. Longe vão os tempos em que o ritmo ditava vendas de 5 a 6 casas por mês por empresa, pois agora nem os descontos de 20%, 30% ou, mais raramente, de 50% aliciam os compradores que visitam os salões de imobiliário que ocorrem de Norte a Sul do país. Mas os mediadores não estão sozinhos na “linha da frente” da quebra imobiliária. Com menos vendas, também as autarquias recebem menos ao nível do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e há também, claro está, os donos das casas à venda, cujo grau de desespero poderá ser medido pelo desconto que aceitam ou não fazer.
Casas mantêm preços mas bancos baixam avaliações
Apesar da crise ao nível da procura de casa, com o número de contratos para compra a cair 17,8% ao longo deste ano, certo é que os preços oficiais das casas não estão a cair. Os dados mais recentes do Índice Confidencial Imobiliário, que reúne a oferta de mais de 450 mil fogos de 1.400 empresas de mediação e promoção imobiliária, mostram que a valorização média anual em Julho de 2008 foi de 1%, valor que compara com a subida de 0,4% no segundo trimesre do ano e com os 2,3% registados entre Janeiro e Março de 2008. Estes são valores que parecem indicar que o desespero de vender pode não ser assim tão grande, já que a maioria dos vendedores está sem pressa e a “recusar” perder dinheiro. Apesar disso, e no que toca aos bancos, a realidade é outra. Segundo o INE o valor médio de avaliação bancária para a concessão de empréstimos fixou-se entre Julho e Setembro deste ano nos 1.164 euros por metro quadrado, ou seja, menos 4,8% do que no mesmo período do ano passado. O Instituto de Estatística, que revelou estes números no final de Outubro, salienta mesmo que houve “uma quebra trimestral de 1,8%” e que a região que verificou a maior queda nas avaliações foi o Alentejo, com 8,5% de quebra, seguida pelo Centro, com menos 7%, e Lisboa e Vale do Tejo, onde os bancos estão a avaliar as casas 5,7% abaixo dos valores do ano passado.
Natal “negro” na China
Um dos países que está hoje a sentir com mais força o impacto da crise financeira é a China, onde se calcula que perto de 4.000 empresas, mais de metade do total das firmas dedicadas à exportação de brinquedos, tenha fechado só durante este ano. Primeiro à conta dos custos do transporte da mercadorias, que disparou com os aumentos do petróleo, depois por causa da má imagem que a própria indústria chinesa ostenta, por já ter tido vários milhões de brinquedos retirados das lojas por falta de cumprimento nas medidas de segurança. Agora, para ajudar, chegou a recessão económica que se alastra pelo mundo.
E não se pense que falamos de empresas que fazem brinquedos para “lojas dos quinhentos”, já que estão todas em causa. Só para exemplo veja-se que a chinesa Smart Union, que fornece a Disney e a Mattel com as famosas bonecas “Barbie”, fechou recentemente uma fábrica em Dongguan, a sul de Hong Kong, deixando sete mil chineses no desemprego. E isto está a acontecer em todas as empresas, desde as que fazem bolsas, às que fazem t-shirts.
A maioria das encomendas para a época do Natal entram na China entre o Verão e o final de Outubro, e de acordo com os valores oficiais da autoridade responsável pelas exportações na China, este ano registou-se uma quebra de 10,6 mil milhões de euros nas encomendas chegadas desde o Ocidente, em comparação com o mesmo período de 2007, quebra que naturalmente levou muita fábrica a fechar portas. Por ora os maiores beneficiados têm sido as crianças chinesas de Dongguan, que se têm deliciado com os armazéns cheios que as empresas vão deixando quando fecham portas, já que o azar de uns é a sorte de outros e aqui também os europeus podem agradecer.
A actual crise, o tempo de envio e o fecho de fábricas que ocorre na China tem servido para reavivar, ainda que tenuemente, a indústria europeia de brinquedos. A explicação é simples. Com fábricas na Republica Checa por exemplo, os grandes vendedores escusam de apresentar encomendas com 10 a 12 semanas de antecedência, conseguindo assim responder melhor à procura, seja esta crescente ou decrescente, não se compromentendo com encomendas em Agosto que doze semanas depois poderão não encontrar compradores.
Quanto aos comerciantes europeus, a crise poderá não levar a um cenário tão negativo, sendo mesmo esperada uma subida de 1% a 2% nas vendas de brinquedos no período de Natal, período que vale cerca de 40% das vendas anuais. A justificar estas previsões de subida na venda de brinquedos está, curiosamente, um jogo de “mal menor”. Isto porque na lista que as crianças entregam ao “Pai Natal” os desejos normalmente variam entre jogos de playstation, ou a playstation propriamente dita, ou um qualquer carro de brincar, boneca ou monopólio. Confrontada com tal lista, não é difícil adivinhar qual será a prenda que uma família em crise optará por oferecer.