Lidam com mais de 300 milhões de euros por mês, dão emprego a quatro mil pessoas e, dia sim dia sim, permitem que todos os portugueses e não só falem uns com os outros, estejam onde estiverem… Um vendeu roupa, outro achava que os telemóveis era coisa para meia dúzia de pessoas e o terceiro quase foi director de uma televisão. Quem são afinal os verdadeiros reis dos telemóveis em Portugal.

In: Revista Focus, Setembro 2008
“Um líder é um alvo a abater”. Quem o disse sabe do que fala. Belmiro de Azevedo, um dos homens mais ricos de Portugal, assim o colocou em 2003, num seminário sobre educação. “Para ser líder é preciso poder sê-lo mas também querer sê-lo” concluiu. E os líderes da TMN, Optimus e Vodafone não só o quiseram, como muito fizeram para chegar onde estão. E são óbvios alvos a “abater”… ou não lucrassem centenas de milhões de euros.
Zeinal Bava, líder da TMN há anos e recentemente escolhido como o “homem-forte” da Portugal Telecom (PT), é sem dúvida o mais carismático. Com um estilo e uma educação anglo-saxónica, faz do inglês a sua língua “materna” e da exigência e perfeição pedras basilares do sucesso. Nasceu em Maputo em 1965, veio para Lisboa com 10 anos e quatro anos depois mudou-se para Londres. Vendeu roupa numa Benetton da capital portuguesa e biscoitos na capital inglesa, como forma de pagar a sua viagem de finalistas. Licenciou-se em Engenharia Electrotécnica na University College of London e é hoje o mais jovem presidente de uma operadora de telecomunicações líder na Europa e, mais do que ser um alvo, dizem as más línguas que já alvejou.
Há quem se recuse a falar dele, há quem nomeie ex-responsáveis da PT como “cilindrados” por Bava mas, ao mesmo tempo, há quem recorde que este gestor faz sempre questão de enviar um SMS quando um trabalhador faz anos. Ou que é o primeiro a ir “porta-a-porta” vender um produto e que tem sempre o escritório aberto para ouvir toda e qualquer preocupação. Tudo definições que chocam com outras, como as que o definem como excessivamente numérico ou pouco hábil com relações humanas…
Mas de quem ouve Michael Bolton e Frank Sinatra, gosta de surf, e consegue conciliar duas prioridades normalmente 100% absorventes (família e liderança profissional), tudo se pode esperar. Até a escolha de José Cid para uma festa da PT, ou a dispensa da gravata, ou vê-lo de mochila às costas ou mesmo aceitar um “puxão de orelhas” de um colaborador – via SMS e em inglês – por estar num debate com ar pouco descontraído… Gosta de sushi e chegou à PT em 1999, depois de ter conhecido os responsáveis da empresa enquanto preparava parte da privatização da mesma. Estava em Londres, no banco de investimento Merril Lynch, um dos maiores do mundo.
E no ano em que Zeinal pensava na privatização e começava a sonhar com a liderança da PT, um outro “prodígio” das telecomunicações estava cheio de dores de cabeça. A Optimus tinha aparecido um ano antes, em 1998, e a entrada de “leão” da operadora do grupo Sonae assustou a Telecel. António Carrapatoso deveria ter dado menos margem de manobra à “93”, mas assim não aconteceu ainda que a realidade dessa altura era completamente diferente da de 1991, ano do nascimento da futura Vodafone.
Nesse ano, o presidente da “91”, então com 34 anos, foi contra tudo e todos para fazer valer a sua “fé” num país onde nem 30 mil pessoas tinham telemóvel, aparelho que na altura custava 600 mil escudos, valor que hoje, contando com a inflação, rondaria os 20 mil euros. No início da década de 90 as perspectivas mais optimistas – curiosamente de Carrapatoso – previam que 6% dos portugueses viriam a ter telemóvel quando o século virasse e, no máximo dos máximos, em 2007 existiriam 8% de portugueses com um aparelho desses. Vistas hoje estas metas são ridículas, mas são tão ridículas quanto o “optimismo” de ter 6% de portugueses com telemóvel pareceu a vários especialistas em 1991. Mas o líder da Vodafone não hesitou, apenas temeu (ver caixa), sem nunca o deixar transparecer.
E o optimismo é uma palavra que “cola” bem no perfil de António Carrapatoso, que elege o reggae como uma das sonoridades preferidas. É, como Zeinal Bava, um adepto do Benfica, dividindo também a atenção pela política e pela prática de desporto, encontrando no “jogging” o alívio para o stress. Diz que corre 18 quilómetros por semana, o equivalente a uma ida a pé de Lisboa a Oeiras.
Uma outra palavra que também deve surgir no perfil do mentor da iniciativa “Compromisso Portugal” (“think tank” que reúne 500 empresários portugueses) é a ambição. Carrapatoso não nasceu para ser segundo e não admite menos que a disputa pela liderança do mercado, seja medida em receitas ou em total de clientes. O único objectivo que admite é liderar a toda a linha, mesmo sabendo que do outro lado está a “gigante” Portugal Telecom, que desafia diariamente. Porque a liderança que este licenciado em gestão quer é em todo o sector das telecomunicações, incluindo internet, telefone fixo e televisão… Não quer etapas, só lhe interessa a camisola amarela.
E a evolução da operadora permite sonhar. A Vodafone é muito mais do que uma operadora de telemóveis. Já oferece banda larga, telefone fixo e pouco falta para oferecer televisão… Nasceu em 1991 e em 1998 contava com mais de 1,7 milhões de clientes. Hoje factura 1,5 mil milhões de euros e está a cerca de um milhão de clientes de distância da TMN. A liderança virá com o tempo, garante a empresa.
Mas nem todos podem confiar no tempo. Ângelo Paupério é o mais recente rosto das comunicações móveis em Portugal, mas é também o que terá que fazer mais em menos tempo. Administrador de 150 (!) empresas e um adepto do “low-profile”, este gestor ascendeu à liderança da dona da Optimus, a Sonaecom, no ano passado, tinha 47 anos.
Ângelo Paupério entrou no grupo de Belmiro de Azevedo em 1989, ainda a massificação dos telemóveis, ou a existência de mais de dois canais de televisão, pareciam ideias de um filme de ficção científica. Mas foi o escolhido para tentar matar este último mito e, ainda que o projecto de TV da Sonae nem tenha ganho asas, o engenheiro civil fez o suficiente para ficar no grupo. Em 1994 chegaria a administrador da Sonae Distribuição, subindo muito desde então. Chegou a vice-presidente e máximo responsável pelas contas da Sonae, foi um dos “cérebros” por trás da OPA lançada sobre a PT, cujo insucesso deixou a Optimus que agora lidera em maus lençóis e, dizem os analistas destes mercados, praticamente, ou aparentemente, sem rumo.
Figura discreta, reconhecido por muitos como “superiormente inteligente” e dono de um “bom senso” que completa a pontual falta de diplomacia de Belmiro de Azevedo, Ângelo Paupério é acima de tudo reservado e calculista. Como defeito apontam-lhe a dificuldade em ouvir terceiros e pouco mais.
Vem aí o quarto operado de telemóveis
Até ao final do ano é possível que Portugal venha a conhecer o seu quarto operador móvel, depois de TMN, Vodafone e Optimus, fruto de uma nova licença posta agora a concurso pela Anacom, o órgão responsável pela gestão das comunicações em Portugal. Este novo operador utilizará o indicativo “92” e não terá a vida facilitada, já que vai encontrar um mercado totalmente saturado (com 120% de taxa de penetração) e sobre isto basta ver que a Optimus, eterna terceira, “nasceu” em 1998 e ainda hoje luta pela sobrevivência. Ainda assim, já se apontaram vários interessados, onde a Zon Multimédia e o Grupo SGC, de Pereira Coutinho, poderão ser os mais fortes candidatos.
O prazo para apresentação de candidaturas está neste momento a decorrer, terminando no início de Outubro, e os interessados terão que pagar um mínimo de cinco milhões de euros (que serão destinados a investimentos como o da oferta de computadores nas escolas) e ainda ter uma rede capaz de chegar a 20% da população portuguesa dentro de um ano.
Zeinal Bava: O ascendente pouco surpreendente
Tornou-se no mais jovem presidente de uma operadora de telecomunicações na Europa no final de Março passado, sem que isso tenha apanhado alguém de surpresa, tais foram as provas que foi dando desde que entrou na Portugal Telecom, em 2000. Já antes era um prodígio da banca, tendo chegado em 1998 ao “gigante” Merril Lynch, hoje pelas ruas da amargura à conta da crise do “subprime”. Longe iam os tempos em que Zeinal Abedin Mahomed Bava vendeu roupa na Benetton da Av. de Roma, e longe iam também os anos de estudo e trabalho em Inglaterra que, porém, lhe deixaram uma das suas maiores “marcas”: Se puder escolher, fala, exprime-se e pensa em inglês, seja por telefone, seja “cara-a-cara”, seja por mensagem escrita… um dos seus grandes vícios. Quem o conhece, e quem com ele lidou ou lida, tem várias formas para o descrever, nem todas positivas. Perfeccionista, exigente, insensível, ambicioso, receptivo, obstinado… São muitos os adjectivos e, naturalmente, variam consoante se o interlocutor tenha estado com ele ou contra ele.
António Carrapatoso: Compromisso com Portugal
O líder da Vodafone Portugal foi o maior protagonista do aparecimento de um concorrente à TMN. Se hoje é óbvio que lançar um operador num mercado onde ninguém tinha telemóveis é um excelente negócio, em 1991, quando o ordenado mínimo era de 220 euros, um café custava 25 cêntimos e um litro de gasolina 73 cêntimos, o cenário estava longe de ser esse. Estimava-se que em 2008 existiriam cerca de 800 mil aparelhos móveis em Portugal. Pois existem mais de 14 milhões. Foi preciso persistência e convicção…. muita. Quando Carrapatoso apresentou a sua proposta, com o apoio dos grupos Amorim e Espírito Santo, estimou atingir “8% de taxa de penetração” até 2007. “Irreal” e “sonhador” foram os comentários mais simpáticos que ouviu. Mas o tempo veio a dar-lhe razão, ainda que o próprio tenha temido. “Será que foi bom termos ganho?” questionou-se quando descobriu que a sua proposta tinha ganho. Teve a certeza que sim anos mais tarde, quando a sua Telecel facturou mais de mil milhões de euros e em 2003 foi “absorvida” pela gigante Vodafone.
Ângelo Paupério: “Low-profile” q.b.
Foi um choque para todos. A “guerra” iniciada pela tentativa de compra da PT pela Sonae já tinha acabado, mas as feridas ainda estavam bem abertas. E quem viu Ângelo Paupério entrar no maior dos debates das telecomunicações, a 6 de Dezembro, esperava mais. Muito mais. Estariam mal habituados? Sem dúvida. Foi no último Congresso das Comunicações e além do líder da Optimus, estavam os presidentes das suas concorrentes directas. Henrique Granadeiro, ex-presidente da PT atacou, atacou e atacou…. António Carrapatoso igual. Mas, para a Sonaecom, a página já estava virada. E o novo líder pouco ou nada ripostou. Claro que a audiência estranhou, assim como os jornalistas e os assessores das operadoras, mal habituados e viciados que estavam às constantes trocas de acusações entre as empresas durante e após a OPA. Mas a intenção terá sido mesmo essa. Cortar com o passado e olhar para a frente terá pensado Belmiro de Azevedo quando decidiu retirar os “soldados” que mais sofreram na guerra contra a PT e colocar um estratega à frente da Optimus, para mostrar que já estava noutra. E está, mas ninguém sabe qual.